domingo, 1 de agosto de 2010

O Peido

Era um desastre, um verdadeiro desastre.

Quase com certeza, macumba da ex-mulher.
_Bem que eu desconfiei quando aquela vaca começou a aparecer lá em casa, dizendo que a gente tinha de continuar amigos, por causa das crianças. E me trazia feijoada, torta de cebola, sopa de repolho. Ela deve ter colocado alguma coisa na comida, só pode!... E agora, meu Deus do céu?

Havia uma semana que Alberto sentia como se nuvens apocalípticas rondassem a sua vida

E o pior é que tudo começou de repente, como se resultasse, mesmo, de alguma maldição.

Foi assim: na Quarta-Feira de Cinzas, Alberto acordou com uma irresistível vontade de peidar.

Ainda na cama, preguiçosamente, começou a soltar uma saraivada de puns, alguns silenciosos, outros, estridentes, mas, invariavelmente mortais.

Correu para o banheiro e viu-se diante de uma curiosa sinfonia, que reverberava magnífica nos azulejos.

E o fato é que mesmo depois de defecar; já na cozinha, ao tomar café, e mais tarde, a caminho do trabalho, ainda continuou como que incorporado daquela insurreição intestina.

A cada quatro ou cinco passos, uma dezena de puns se libertava. De sorte que todas as pessoas que passavam, se defendiam com toda sorte de desaforos.

“Vai tratar da tua alma, que o corpo já está podre”, gritou um homem engravatado, tapando o nariz. “Peidão! Peidão!Peidão!”, gritaram uns moleques.

Já meio desnorteado, cometeu a temeridade de enfiar-se num ônibus lotado – pra quê!...Acabou expulso, aos gritos de “porco” e “vagabundo”.

Correu a uma farmácia, para comprar dimeticona. Mas até os bombeiros tiveram de ser chamados, devido aos gases tóxicos que enfumaçaram o local.

Uma velhinha asmática, quase a desmaiar de aflição, disse-lhe que comesse alimentos fibrosos, “para evacuar que nem gente”.

No supermercado, teve de ziguezaguear pelos corredores, para que as pessoas não o ligassem à nuvem malcheirosa que ia deixando para trás.

Depois de ser expulso de dois supermercados e de três táxis, conseguiu, finalmente, voltar para casa.

Comeu toda sorte de farelos e frutas e até tomou um vidro inteiro de laxante.

Suou na privada feito um condenado, quatro ou cinco vezes.

Mas pela manhã, ao chegar ao trabalho, a tormenta recomeçou. Primeiro de mansinho, silenciosamente. Depois, em sucessão “metralhística”.

Foi mandado embora, a bem do serviço público, acusado de provocar uma rebelião no posto de saúde sempre lotado em que trabalhava.

No dia seguinte, os jornais noticiaram que até o Exército teve de ser chamado para conter a multidão, e que Alberto seria, na verdade, integrante de uma facção terrorista, que resolvera protestar peidando, desatadamente, contra o sistema.

Cientistas políticos lembraram o papel do mau cheiro ao longo da História, e a sua “associação dominatória” aos trabalhadores.

Psicólogos sociais viram naquele comportamento incivilizado a tentativa inconsciente de sufocar pai e mãe.

O Congresso foi convocado às pressas, porque a prisão de Alberto, em superlotada delegacia, foi entendida como mal dissimulada pena de morte.

Emparedado pela opinião pública, por ONGs ambientalistas e até por sociedades de direitos humanos, o Governo mandou transportar Alberto para uma ilha deserta na Amazônia, o megalixão do mundo, enquanto construía, com dispensa de licitação, uma penitenciária superfaturada, dotada de avançados sistemas contra a propagação de odores.

Também mandou que Alberto fosse examinado por uma junta médica, mas ele teve de esperar uns dez anos até que os médicos aparecessem.

Quando os médicos enfim chegaram, vestidos com trajes contra contaminação biológica, Alberto estava descabelado, barba crescida, sujo, perebento, as roupas em farrapos, os dentes em petição de miséria, e o abdômen como um ventre gestante.

As palavras incompreensíveis eram intercaladas por grunhidos e rodopios. Os olhos vermelhos e esbugalhados eram como os de um profeta enlouquecido.

Teve de ser amarrado, para não morder e arranhar os médicos, que, no entanto, nada puderam fazer.

Pouco depois Alberto morria, em meio às dores de um pútrido parto anal.

Os doutores especularam, especularam, mas não conseguiram chegar a nenhuma conclusão acerca da origem daquela estranha doença.

De tudo ficou-lhes, porém, uma certeza: Alberto era, de fato, a cara do Brasil.


Belém, 1 de agosto de 2010.



Pra vocês!












4 comentários:

ailton martins disse...

Olá td bom. Estou divulgando este documentário, se puder assistir, vale a pena! Obrigado
http://nosolhosdaesperanca.blogspot.com/

Resenha
Jânio é um rapaz de vinte anos que foi preso na orla da praia da Cidade de Praia Grande confundido de fazer parte de um grupo de jovens que promoveram um arrastão. Mesmo sem provas ficou preso durante 11 meses. Leide e Francisco a mãe e o pai de Jânio precisaram lutar para provar a inocência do filho, enfrentando a principal dificuldade que esbarra num problema social ainda não resolvido no Brasil.

"Ser pobre é ser culpado até que se prove ao contrário?"

Anônimo disse...

O TRE multou em 130 mil a Revista Bacana por ter publicado a capa com a governadora.

Anônimo disse...

Poxa Perereca, como comecei do começo, não havia lido que vc estava se afastando do Blog. Uma pena. Mas talvez seja uma boa hora para refletir e quando voltar seja mais sucinta nas postagens. Boa campanha. Torço pelo Jujuvenil, mas se não der que de Jatene. Bj

Anônimo disse...

Se tú ahas que o Brasil é uma merda vai pra casa do Carvalho. Tú e o Jaera