domingo, 20 de abril de 2014

A Incrível História de Onde Judas Perdeu as Botas – Parte 3







Frank Sinatra da Silva Simão era tão canastrão, mas tão canastrão que é mesmo uma pena que tenha nascido em Onde Judas Perdeu as Botas, e não em Bollywood.

O pai batizou-o assim na certeza de que seria um grande artista.

Afinal, previra uma pitonisa engarapada até à alma, em meio à fumaça das ervas adivinhas:

_Seu Isac, o seu filho vai ser o maior artista que já se viu em Onde Judas Perdeu as Botas! Um artista impressionante!...De deixar qualquer um de queixo caído!... Eu vejo, seu Isac!... Tá tudo aqui nas cartas, ó!...
_Mas que tipo de artista ele vai ser? Será que vai ser músico que nem o avô?
_Músico, seu Isac!... Tô vendo aqui, ó: ele vai dar música que é uma beleza!... Vai arrastar multidões, que nem aquele flautista... Aquele tal de Hamelin!...  O seu filho vai cair na boca do povo, seu Isac!...
_Na boca do povo?
_É, seu Isac, ele vai ser famoso demais!... Tô vendo aqui, ó!... Mais afamado do que ele só os últimos dias de Pompeia!... Vai entrar pra história, seu Isac! E não haverá um só ‘caboco’ de Onde Judas Perdeu as Botas que não diga: “Égua, que esse daí é ‘mermo’ um artista!”...

Para dar mais um empurrãozinho ao destino (o que seria de Moisés sem as pragas do Egito, caro leitor?), o pai matriculou o menino no Conservatório da República Imperial.

Mas o Pequeno Sinatra não possuía nem afinação, nem ritmo, nem  significativa extensão vocal. E o timbre, desgraçadamente, também ficara  anos-luz ao de seu homônimo.

Night and day, as professoras agonizaram naqueles trinados por eternos três meses.

Até que, mergulhadas em profunda depressão e transtornos obsessivos (especialmente, súbitos tremeliques), suplicaram que o levassem de lá.

E ainda endureceram as regras de acesso ao Conservatório, naquele que passaria à história como “O Estranho Caso do Pequeno Sinatra de Onde Judas Perdeu as Botas”.

Tristíssimo, o pai viu crescer o moleque sem conseguir imaginar outro destino à altura de nome tão promissor.

Nem jogar bola Frank sabia...

Tampouco se destacava em português, matemática, química, física, história, geografia - ou em qualquer disciplina existente, ou por existir.

Em verdade, só possuía duas grandes aptidões: dormir e pescar.

Além disso, era um mentiroso nato, genuíno, autêntico, verdadeiro, capaz de levar os circunstantes às lágrimas, sempre que desatava a contar os “causos” que inventava – inclusive, para si mesmo.

Os olhos a fitar o além do além, a mão direita a bater no peito e a voz embargada eram capazes de compungir até o mais pétreo coração...

Por isso, o pai até pensou em fazer do filho um pastor pentecostal.

Mas foi aí que teve a ideia que mudaria o destino de Frank e de toda a província:
_Levanta já dessa rede, seu malandro, vagabundo, preguiçoso, que você vai é ser político!

Sábio como todo pai, também quebrou o violão do Sinatra:
_Do jeito que você toca, isso só serve é pra espantar eleitor, seu incompetente!

E depois de obrigar o filho a limpar as inúmeras remelas, levou-o para se filiar ao partido de João Batista, o recém-eleito presidente imperial.
_E trate de fazer com que ele goste de você! Senão eu te jogo é pra fora de casa, seu pilantra!

E, de fato, João Batista adorou Frank Sinatra.

Primeiro pela impressionante capacidade de fazer com que todos trabalhassem por ele.

Manco, pálido, franzino, o rapaz espalhou aos quatro ventos que sofria de grave e intratável doença cardíaca.

Assim, muitos desenvolveram por ele uma espécie de simpatia misericordiosa, já que se encontrava a um passo do túmulo.

Além disso, a relutância coletiva em contrariar um pré-defunto lhe permitiu apropriar-se das melhores ideias alheias; galgar rapidamente os postos de direção partidária e safar-se de vários apuros.

Sempre que se via envolvido em disputas familiares que não conseguia resolver, ou que era encurralado pelos adversários políticos, queixava-se de dores no peito e começava a arfar. Cambaleante, era levado ao hospital - e de lá só saía quando os ânimos serenavam.

No entanto, o que mais encantou João Batista foi a capacidade do rapaz de prometer, e prometer, e prometer – e de sempre encontrar uma legião de crentes fervorosos, mesmo que coisa alguma fizesse, ou, ao menos, pretendesse fazer.

Para os ‘cabocos’ daquela ilha, era um gênio da política, um Pequeno Bórgia dos trópicos, cuja iluminação intelectual, quase mediúnica, era a mais extraordinária já alcançada pelo espírito humano.

Em pouco tempo, João Batista fez do rapaz o responsável pelo caixa dois das campanhas eleitorais e por todos os assuntos futurísticos de Onde Judas Perdeu as Botas.

Admirava-o, tratava-o como a um filho e pegava-se até embevecido diante da devoção daquele espírito grandioso, absolutamente desprendido de ambições materiais.

Certo dia, cansado e doente, pediu que Frank o substituísse, para que pudesse retornar mais adiante à Presidência Imperial.

Quase teve de implorar, porque o rapaz afirmava detestar o poder, os salamaleques provocados pelo cargo; a hipocrisia, o puxa-saquismo.

Em verdade, dizia, queria apenas servir ao povo, em prol do Bem coletivo...

No entanto, João Batista acabou por convencer o rapaz, o único em quem podia confiar para guardar-lhe o lugar, eis que uma alma abnegada, luminosa, evoluída.

E foi assim que teve início a mais longa Presidência Imperial de Onde Judas Perdeu as Botas, uma era de pilantragens e patifarias como poucas vezes se viu em qualquer lugar do mundo.

Logo ao assumir o comando da província, Frank tratou de corromper juízes, promotores, políticos e jornalistas, ofertando-lhes centenas de sinecuras, entre outros “agrados”.

Também desencadeou feroz perseguição aos adversários: prisões, demissões, execrações públicas.

Destruiu até mesmo as mais promissoras lideranças de seu partido e de partidos aliados.

Caboco, preciso de ti”, afirmava, com ar humilde, enquanto encaminhava o desafortunado ao suicídio político, sempre com a desculpa de se tratar de uma “articulação brilhante”, fundamental à manutenção do poder.

Loteou os cargos públicos com parentes, amásias e toda sorte de parasitas.

Roubou, e roubou, e roubou – até que quase nada restasse nos cofres provinciais.

Sob seu comando, Onde Judas Perdeu as Botas tornou-se, mais do que nunca, onde Judas perdeu as botas...

Por fim, e sem precisar de qualquer Salomé, mandou cortar a cabeça de João Batista.

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A Perereca adverte: esta obra é de ficção. Qualquer semelhança entre algum político e o Pequeno Sinatra de Onde Judas Perdeu as Botas é mera coincidência. 

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Pra Vocês!

3 comentários:

Anônimo disse...

Covarde, traidor, corrupto, qualidades que o caboco pescador desenvolveu em sua carreira. E que explicam ele ser hipocondriaco e cercado de iguais detentores de tais qualidades. E vai se reeleger?

Anônimo disse...

Bem vinda, Perereca tenho certeza que em breve teremos novidades em Judas perdeu a botas

Wilson - Tucuruí disse...

Pô, Ana Célia! Pensei que fosse morrer sem ver o seu retorno à blogosfera. Mas valeu a pena a espera, pois o retorno foi em grande estilo. Inigualável! Só você mesma! Um grande e respeitoso abraço.